21 de ago. de 2009

"falta vontade política"

ENTREVISTA - Guto Mendes
Símbolo da luta em defesa do Parque

FONTE: http://jornaldoguara.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=816:guto-mendes-simbolo-da-luta-em-defesa-do-parque&catid=72:servicos&Itemid=95

Quem o conhece há menos de 12 anos talvez não saiba que a sequela física que Guto Mendes carrega tem a ver com o Parque do Guará. Por causa de um tiro que levou de um chacareiro durante uma visita de ambientalistas e representantes da comunidade ao parque em 1996, ele teve os movimentos do lado esquerdo limitados. Nem por isso, Guto deixou de lutar pela área. Pelo contrário, a sequela deu a ele estímulo para continuar a luta, não pelo sentimento de vingança, mas pela consciência de brigar pela melhoria da qualidade de vida da população, que passa pelo direito de uso do Parque do Guará. A sequela não o deixa esquecer desse compromisso todos os dias.

Nesta entrevista, Guto traça um histórico da luta pelo parque e, com conhecimento de causa, enumera os motivos que emperram a implantação.

O Parque do Guará foi criado pouco depois de definidas as poligonais e as estruturas urbanas do DF. Diversas leis e decretos versam sobre o parque desde então. No seu entendimento o que dificultou o investimento na implantação do parque ao longo desses anos?

- Tenho a opinião que faltou vontade política dos governos. A construção de Brasília é um símbolo de progresso e modernidade e seu projeto final foi alicerçado com a visão da necessidade de preservação de parte do Bioma Cerrado que restou, e que por sua excepcional biodiversidade constitui-se em um dos mais importantes ecossistemas brasileiros, merecendo a atenção de toda a sociedade. No Guará temos uma Reserva Ecológica que, aliás, nasce o Córrego Guará, aliada a um parque ecológico de grande importância biológica para todo o Distrito Federal. Portanto, é necessária a implantação do parque ecológico do Guará – Ezechias Herenger – com urgência para que tenhamos esse ecossistema preservado.

O movimento em defesa do parque parece renascer após a votação do PDOT. Mas esse movimento tem uma história, em que você é um dos protagonistas. Como isso começou?

- Desde os anos 90 vários seguimentos da sociedade organizada do Guará e pessoas interessadas pela causa ambiental lutam pela implantação definitiva do parque. O auge desse movimento se deu em 95/96 quando fundamos a SAPEG – Sociedade dos Amigos do Parque e Reserva Ecológica do Guará e o Fórum de ONGs ambientalistas do DF e Entorno que juntos com outros segmentos intensificaram as ações em prol do parque.
Interessante ressaltar que nesse período elaboramos várias iniciativas para a efetiva implantação do parque, solicitamos à época da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do DF – SEMATEC - ações que visassem a real implantação do parque. Realizamos com a comunidade trilhas, saraus, luaus, vários debates... Mobilizamos a sociedade para participarem do democrático processo de orçamento participativo elegendo delegados e discutindo as várias propostas para a cidade. Dentre elas a construção no interior do parque de quadras poliesportivas, centro de visitantes e reforma da casa que hoje abriga a polícia militar ambiental.
Denunciamos crimes de todas as ordens que estavam acontecendo no interior do parque, inclusive ambientais que estavam sendo cometidos por chacareiro. Fato esse que gerou um atentado contra a vida. Nesse episódio eu e uma fiscal ambiental no estrito cumprimento do dever, fomos vítimas de tiros disparados pelo chacareiro denunciado. Esse episódio lamentável esfriou o movimento, pois muitas pessoas ficaram aterrorizadas e amedrontadas com a situação.

Há interesse da população do Guará na implantação do Parque? E se há, por que a mobilização da comunidade parece lenta e ineficaz?

– Tenho dito sempre que a população é a favor dessa causa. O mundo inteiro tem se esforçado para conter o aquecimento global, tendo como conseqüuências as mudanças climáticas, fruto, principalmente, do desmatamento que gera danos irreversíveis para a vida. É inimaginável que a população do Guará que é formadora de opinião fique contra a implantação do parque, pois ter o parque implantado é proteger o meio ambiente e as gerações futuras.

Qual a pauta do movimento para os próximos dias? E quais objetivos deseja alcançar com as ações?

– O movimento em defesa do parque ecológico do Guará – Ezechias Herenger – se consolida como um movimento composto por integrantes de diversos outros movimentos sociais, ambientalistas e moradores que sempre defenderam o parque, e que agora se uniram tendo a implantação definitiva do parque como principal objetivo. Faremos debates, atividades socioculturais, caminhadas ecológicas, trilhas, passeatas de rua etc., com o intuito de interagir com a população para que possamos juntos usufruir das maravilhas que a área do parque nos oferece. Só a mobilização da sociedade é capaz de despertar os gestores do GDF para a real necessidade de implantação do parque.

Há interesse político dos envolvidos no movimento? Muita gente pega carona na defesa da cidade para defender interesses próprios?

– É muito importante frisar que o movimento é amplo e apartidário, nesse sentido todos que quiserem nos ajudar na causa serão bem vindos. Montamos um blog chamado sosparqueecologi-codoguara.blogspot para unificarmos ainda mais nossas ações. O interesse tem que ser pela implantação do parque. Não podemos permitir que o movimento seja usado para outros fins. Quem quiser fazer política partidária vá para um partido político.

Existe uma dissonância entre os defensores do parque quanto à sua utilização. Enquanto alguns defendem a construção de equipamentos públicos, para que a área torne-se um parque vivencial, outros defendem apenas a preservação da vegetação nativa e do leito do córrego Guará. No seu entendimento qual a melhor destinação do parque?

– Não percebo esse conflito de opiniões até porque estamos juntos solicitando a implantação definitiva do parque ecológico. É bom lembrar que esta sendo elaborado o plano de manejo – coordenado pelo IBRAM - que é como se fosse a constituição do parque ecológico que é uma unidade de conservação Esse estudo deverá ser participativo para que a sociedade opine sobre o uso e a ocupação proposta e as atividades sustentáveis que poderão serem desenvolvidas.

A polêmica por conta da ocupação dos chacareiros existe há muitos anos. Qual a opinião do movimento sobre a questão? Há saída pacífica? Há possibilidade de implantar o parque com os chacareiros?

– A ocupação desordenada no interior do parque é um problema a ser resolvido pelo poder público. Interessa ao movimento o parque definitivamente implantado e aberto para a sociedade usufruir, como temos o Parque Nacional de Brasília e o Parque Olhos D’água na Asa Norte. Temos solicitado ao IBRAM que na elaboração do plano de manejo tenhamos dois cenários, ou seja, a implantação definitiva do parque com ocupação e sem ocupação. Assim poderemos dialogar com o governo quais os critérios serão adotados para a efetiva implantação do parque e a respectiva instalação do conselho gestor, órgão que será paritário entre a sociedade civil e o governo para a administração do parque

O Guará vive um crescimento demográfico intenso nos últimos dois anos, que deve ser agravado pelos recentes anúncios de novas quadras na cidade. O parque corre risco nesse contexto? E, se implantado, o parque pode ser importante para uma cidade inchada?

– Com a aprovação do PDOT – sem diálogo amplo com a sociedade – o Guará terá um adensamento populacional absurdo, corremos o risco do Guará se transformar em uma selva de pedra trazendo vários impactos para a cidade. A especulação imobiliária nunca esteve tão forte no DF e o Guará tem sido alvo disso, pois é uma área nobre e eixo de desenvolvimento.
O parque ecológico do Guará já teve sua poligonal diminuída algumas vezes, como a área ao lado do park shopping para a construção de edifícios. É fundamental que a sociedade do Guará e do DF saiba que o parque ecológico precisa ser preservado para que tenhamos mais qualidade de vida e a melhoria do clima. No interior do parque temos a nascente do córrego do Guará que contribui para o fornecimento de água para a bacia hidrográfica do Paranoá, além de importante reserva biótica tais como: uma mata ciliar que o acompanha, um campo de orquídeas, mata de galeria remanescente, onde foram identificadas várias espécies arbóreas, entre as quais uma rara e ameaçada de extinção, o podocarpus brasiliensis, um pequeno pinheiro que ocorre em áreas alagadas constituindo-se na única espécie de conífera do cerrado brasileiro.

Nos próximos meses começa a construção da Via Interbairros, que liga o Guará ao Plano Piloto, desafogando diversas vias. Essa avenida corta o Parque do Guará. Quais os riscos e benefícios que a via traz para o Parque?

– O projeto ainda não foi apresentado para a sociedade, não sei se estão fazendo o estudo de impacto ambiental. Mas não é possível que o empreendimento seja feito sem licença ambiental e o respectivo estudo. Quando a área do parque foi cortada pela construção do metrô ficou prevista uma compensação ambiental – que não foi aplicada no parque - e a elaboração do plano diretor.
Não somos contra o desenvolvimento, mas ele tem que se dar de forma sustentável e em harmonia com a natureza. Ficaremos atentos a mais esse episódio. O importante é que o parque se viabilize para que a sociedade possa praticar atividades educativas, esportivas e socioculturais em plena harmonia com a natureza.